O que significa a morte para a pessoa humana? Com a morte mais próxima de nós nesses tempos de pandemia, percebemos que a questão é inesgotável: por isso, interpretar a morte é tão complexo como explicar a vida, ambas estão dentro do mistério. Prestando atenção aos modos como o tema da morte tem nos tocado, novos estudos constatam que a disseminação do coronavírus afetou a saúde mental de muitas pessoas. Dados recentes apontam o aumento de alguns fatores de risco, como a angústia, a ansiedade e a depressão, que podem elevar o número de suicídios.
Grave problema de saúde pública
Não se pode dizer que o suicídio se constitua um problema novo, o que nos parece novo são as causas e situações que favorecem a esse tipo de pensamento, principalmente agora, em tempos tão difíceis. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a taxa de suicídios a cada 100 mil habitantes aumentou 7% no Brasil, ao contrário do índice mundial, que caiu 9,8%, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) com 31.507 casos de suicídio registrados entre 2012 a 2014. Como um problema grave de saúde pública, requer a nossa atenção, mas, infelizmente, a sua prevenção e controle não são tarefas fáceis. Por isso, é importante o envolvimento das diversas áreas que cuidam do ser humano em suas diversas dimensões.
Por ser uma situação complexa, para qual não existe uma única causa ou razão, temos uma interação de fatores biológicos, genéticos, psicológicos, sociais, culturais e ambientais como aponta o Manual de Prevenção de Suicídio elaborado pela OMS (2000). É importante lembrar que a vida humana está marcada por uma crise de valores e de sentido, verifica-se um relativismo cultural, individualista de consumo, hedonista e utilitarista, que tendem a angústia, ausência de sentido para viver, depressão e sensação de abandono.
Sem pretender substituir os profissionais especializados no tema, os cristãos também são chamados a contribuir de forma direta e indireta na valorização da vida, na sua proteção e realização mais plena, neste caso na prevenção do suicídio. A vida humana para a fé cristã é um dom sagrado e o serviço à vida origina-se do próprio Evangelho “Eu vim para que tenham a vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10).
Chamados à vida plena
Na encíclica Evangelium Vitae (1995), São João Paulo II afirma: “O Evangelho da vida é um grande dom de Deus e simultaneamente uma exigente tarefa para o homem. (…) Deus exige do homem que a ame, respeite e promova. Deste modo, o dom se faz mandamento (não matarás – Ex 20,13) e o mandamento é em si mesmo um dom” (EV, 52). O amor que está na base de todos os mandamentos, exprime-se aqui como amor e responsabilidade pela pessoa.
Cada pessoa é chamada a uma vida plena, “devemos receber a vida como reconhecimento e preservá-la (…). Somos administradores e não proprietários da vida que Deus nos confiou. Não podemos dispor dela” (CIgC, 2280). A vida é um dom, muitas vezes delicado, que precisa de cuidado e ajuda. Cada pessoa precisa se sentir protegida e incluída na dinâmica do amor, nessa comunhão que gera sentido à vida.
Apesar de todo “suicídio ser condenável, porque é contrário à inviolabilidade da vida, à dignidade da pessoa, bem como ao respeito à Bondade do Criador” (SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética, 2009). É necessário rechaçar uma postura de julgamento e indiferença e deixar-se conduzir por uma postura de escuta acolhedora e atenta das pessoas que estão a nossa volta. Para daí, empenhar-se em orientar a vida para o amor e abrir um caminho de prevenção, pois somos chamados a sermos apóstolos da esperança. “As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos os que sofrem, são também as alegrias e angústias dos discípulos de Cristo” (Constituição Pastoral Gaudium et Spes, 1).
Atenção e acolhida
Por ser uma ameaça do nosso tempo, devemos estar atentos para ajudar as pessoas em risco: sinais de depressão, de grande sofrimento e de falta de sentido para viver, devem despertar a nossa atenção. A acolhida da comunidade eclesial já é uma ajuda direta a pessoa que passa por esse tormento, e a partir daí é possível proporcionar um sentido de viver e valores dignos de se seguir; outras formas de lidar com o problema do sofrimento; abrir-se à transcendência (encontrar Deus) e ser amado e amar.
Parece ficar claro que o tema suicídio gera necessidade de muitas reflexões e indagações, a contribuição pode ser de todos e a solicitude é para com toda pessoa. A missão evangelizadora participa de um sentido de viver mais pleno, por isso, no exercício da sua missão a Igreja é chamada a amar, rezar, respeitar e promover a dignidade das pessoas e famílias que passam por essa agonia.
Sem se descuidar do auxílio espiritual, o acompanhamento profissional deve ser incentivado e valorizado. Precisamos que “ninguém seja deixado só e, que o amor defenda o sentido da vida” (Papa Francisco, 2017). Somos chamados a fazer crescer uma cultura de misericórdia, com base na redescoberta do encontro com os outros: uma cultura na qual ninguém olhe para o outro com indiferença, nem vire a cara quando vê o sofrimento dos irmãos (Misericordia et misera, Papa Francisco, 2016).
Colaboração: Padre Bruno Oliveira
Vice-presidente da Ação Social Paulo VI (ASPAS)
Diocese de Duque de Caxias (RJ)