Monsenhor Samuel Ferreira de Lima: “Vou como irmão que deseja caminhar junto, aprender e estar a serviço”

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No dia 25 de novembro, o Papa Francisco nomeou Frei Samuel Ferreira de Lima como bispo auxiliar da Arquidiocese de Manaus. Sua ordenação episcopal ocorrerá em 1º de fevereiro, em Rodeio (SC). Filho da Baixada Fluminense, Frei Samuel leva consigo a sensibilidade desenvolvida em sua caminhada na região, marcada pela luta ao lado dos pobres, dos trabalhadores e das famílias que enfrentam realidades desafiadoras. Ele afirma estar indo “como irmão que deseja caminhar junto, aprender e estar a serviço”, reconhecendo que a missão na Amazônia apresenta uma nova realidade, com desafios e exigências particulares. Inspirado pela experiência sinodal da Igreja e pela espiritualidade franciscana, Frei Samuel vê sua nova missão como uma oportunidade de aprofundar a vivência da interculturalidade e do cuidado com a Casa Comum, aspectos já explorados durante sua atuação missionária em Angola.

Como alguém que viveu as dores e os desafios da Baixada Fluminense, Frei Samuel carrega uma visão de Igreja que se constrói na escuta, na solidariedade e na luta por dignidade para todos. Ele destaca que o papel da Igreja é ser presença viva junto ao povo, especialmente em contextos desafiadores como o da Amazônia, onde a biodiversidade e a riqueza cultural convivem com ameaças ao meio ambiente e aos direitos humanos. Sob a inspiração do Papa Francisco e de outros bispos franciscanos na região, Frei Samuel acredita que a espiritualidade da paz, do diálogo e do cuidado poderá fortalecer ainda mais o serviço pastoral na Amazônia. Ele deixa uma mensagem de esperança para sua terra natal, lembrando que, mesmo em meio às dificuldades, a fé e a ação solidária podem transformar vidas e renovar o compromisso com o Reino de Deus.

Em parceria com o Padre Luís Miguel Modino, da assessoria de comunicação do Regional Norte 1 – CNBB, nosso assessor de comunicação, Adielson Agrelos, entrevistou Frei Samuel para o Jornal Pilar.

O senhor acaba de ser nomeado bispo auxiliar da arquidiocese de Manaus, como está vivenciando este serviço que o Papa Francisco lhe pediu recentemente?
É um processo de assimilação, pois a gente não espera na nossa vida como frade tamanha responsabilidade e missão. Então, como mestre de noviços, a gente está muito focado no trabalho formativo, na dinâmica própria de uma casa de formação. E com essa nova missão, tudo se amplia de uma forma muito abrangente, uma nova realidade, com novas exigências, num contexto bem diferente daquele que estou vivendo. Então tudo isso leva a gente a ter um turbilhão de ideias, sentimentos, e ao mesmo tempo se abandonar em Deus, porque só Ele que pode nos qualificar e dar condições de responder ao chamado que nos é feito.

O senhor fala de uma nova realidade, o que espera encontrar em Manaus, o que espera encontrar na Igreja da Amazônia?
Pelo pouco que já vi, já li, é uma Igreja muito dinâmica, muito viva, engajada no profetismo, na vivência de fé, creio que vou me enriquecer muito com essa experiência. Uma Igreja de uma caminhada longa, principalmente com os povos originários. É o Brasil raiz.

O senhor é franciscano e São Francisco inspirou o Papa Francisco em sua vida e em seu Magistério, especialmente no cuidado da casa comum, como mostra a Laudato Si`. O que representa para um franciscano chegar na Amazônia e o que essa Casa Comum, ainda preservada na região de Manaus, representa em sua vida como frade e em seu futuro serviço como bispo auxiliar?
Francisco sempre tem essa percepção do Cântico das Criaturas, da Casa Comum, como essa vivência e experiência do amor de Deus que tudo criou e tudo dispôs para nós. Viver agora na Amazônia vai ser encarnar concretamente essa busca de celebrar esse grande dom que é a natureza, os animais, toda a realidade que está ali presente e ao mesmo tempo tomar consciência dessa relação que não é apenas uma relação apenas antropológica, social, política, cultural, mas é uma relação de fé porque é relação com o próprio Deus. Todas as criaturas são parte de nós. Então, o cuidado com a natureza é cuidado conosco mesmo. É perceber que fazemos parte de um todo e que isso deve ser motivado não só pela preservação nossa, mas no respeito e numa reverência à dimensão da grandeza de Deus que tudo criou e tudo que fez é bom. Então nós devemos trabalhar para salvaguardar esse bom que nos é dado e que dignifica o ser humano nessa relação.

O senhor iniciou sua vida presbiteral como missionário na África, em Angola. A interculturalidade é uma dimensão muito presente no magistério do Papa Francisco. Chega numa região muito marcada pela interculturalidade, onde a igreja tenta tenta levar essa diversidade cultural para sua vida pastoral, para a sua vida celebrativa. Por que é importante a convivência com culturas diferentes, e o que o senhor, ao longo do seu ministério presbiteral, foi descobrindo nessas culturas diversas?
A interculturalidade é uma grande riqueza, é uma possibilidade de a gente ampliar a percepção da vida, das pessoas, das relações, dos valores, e aprender cada dia com a vivência e a partilha dos conhecimentos, das vivências de fé. É uma experiência muito rica, porque Deus está em todos os lugares, a gente não vai levar Deus, a gente vai buscar Deus aonde a gente está indo, aonde a gente está sendo enviado. Cada povo, cada cultura, por sermos seres humanos, que tem na sua raiz esse desejo da transcendência, cada povo, cada grupo humano está, de alguma forma, fazendo essa busca, confrontando e partilhando suas vivências. Em Angola, a gente vivia um tempo de guerra e foi muito importante conhecer o diálogo interreligioso, a interculturalidade, a compreensão da vida a través das várias etnias. Tudo isso vai mostrando, na diversidade a beleza e a grandeza de Deus se revelando. Muitas vezes, a gente quer reduzir muito a apenas uma cultura, uma visão religiosa e não percebe que é na diversidade que as coisas se complementam e se enriquecem e se tornam belas. Então eu vejo que vai ser uma experiência muito rica, da qual eu vou poder aprender muito e também poder partilhar um pouco que já vivi e experienciei no tempo de missão.

A sinodalidade é uma dinâmica muito presente na Igreja da Amazônia, na Igreja daqui de Manaus. A Arquidiocese de Manaus realizou o Sínodo arquidiocesano, atualmente está realizando o Sínodo com a juventude e também a Igreja, especialmente através do seu arcebispo, o cardeal Leonardo Steiner, participou da Assembleia Sinodal do Sínodo sobre a Sinodalidade. Como essa dinâmica. que não é nova na vida da igreja, mas que o Papa Francisco tem se empenhado em impulsionar, pensa que pode condicionar, dinamizar seu ministério episcopal na Igreja de Manaus?
Vai ser fundamental, a gente perceber que nós somos parte de um todo e somos instrumentos, e que o Espírito de Deus sopra em todo batizado. Então, quanto mais a gente partilhar, refletir, buscar juntos caminhos, soluções, respostas para, de forma mais autêntica, viver a nossa fé, anunciar a boa nova do Evangelho, muito mais poderemos atingir, muito mais podemos ser efetivos na nossa missão. Eu fico muito feliz que a Igreja Particular da Arquidiocese esteja de uma forma bem avançada nessa dinâmica da sinodalidade, porque isso abre muitas perspectivas e caminhos para incluir e valorizar o dom de cada um, as possibilidades que cada um tem, como Igreja, como Povo de Deus, como povo que está caminho. Nós não temos resposta para tudo, mas estamos num caminho de busca, de reflexão, de caminhada entre erros e acertos. Estamos caminhando e se ajudando mutuamente. Eu me sinto feliz e esperançoso de partilhar e caminhar junto com essa experiência que a Igreja da Arquidiocese já está fazendo.

A pouco menos de dois meses para sua chegada em Manaus, o senhor será acolhido no dia 9 de fevereiro numa celebração na catedral, o que o senhor gostaria de dizer à Igreja e ao povo de Arquidiocese de Manaus?
Que eu estou indo como irmão que quer caminhar junto, que quer aprender, que na experiência de vida que tenho, quero estar a serviço. Essa é a nossa vocação, servir, é o ministério do serviço, da doação, da entrega, do lava-pés. Vou com esse espírito e desejo, anseio, poder corresponder àquilo que o povo espera de um pastor que quer ter o cheiro das ovelhas, que quer caminhar junto com a caminhada que o povo já está fazendo. Eu tenho que me inserir nessa caminhada que o povo já está fazendo há muito mais tempo do que eu. Então eu vou com esse espírito e com essa perspectiva e com essa disposição. Peço muitas orações para que a gente possa se abrir cada vez mais à ação do Espírito e se colocar realmente como instrumento de Deus naquilo que for necessário, naquilo que o povo espera e assim poder somar forças nessa caminhada junto ao povo de Deus nessa experiência de fé e vida. 

Como filho da Baixada Fluminense, de que maneira sua vivência nesta região influenciou sua visão de Igreja e sua compreensão das realidades sociais e culturais que moldam o mundo?
Desde de pequeno acompanhava a minha mãe nas missas dominicais e nos encontros de Círculos Bíblicos, nas Novenas de Natal e na Celebração da Campanha da Fraternidade nas casas do bairro que morávamos, via o sofrimento, os dramas vivenciados pelas viúvas, os pobres, os doentes, a violência que marcava as nossas ruas, a insegurança, a falta de saneamento e de respeito pela dignidade das pessoas. O drama de milhares de famílias para sobreviver, para ter o que comer. Com doze anos comecei a trabalhar fazendo frete na feira no bairro do Araruama e no mercado que ficava no bairro dos Cavaleiros. Andando pelas ruas do bairro, subindo e descendo morros carregando as compras dos meus fregueses sentia na própria pele a dor do sofrimento humano de tantas pessoas, estas vivencias foram desenvolvendo em nós sensibilidade diante do sofrimento alheio, com 14 anos comecei a trabalhar em uma fábrica de roupas e diante das realidades vividas tinha a sensação que éramos escravos de carteira assinada, tantas humilhações, violações dos direitos dos trabalhadores.  Motivado a buscar através da fé e do confronto com a Palavra de Deus caminhos e respostas concretas comecei a participar da Pastoral do Menor e da Pastoral Operária e do Grupo Jovem Falange Cristã. Estás vivencias me marcaram profundamente e foram norteando os caminhos de minha vida e me fazendo buscar compreender as duras realidades sociais e culturais que até os dias de hoje estão presente em nossa Amada Baixada Fluminense e no mundo moderno.

Após anos de serviço missionário, especialmente na Angola, como o senhor avalia o papel da Igreja em contextos desafiadores, como o da Amazônia? Que lições de sua trajetória podem enriquecer sua missão nessa nova etapa?
Nosso papel como Igreja vejo que é seguir as pegadas de Jesus, ser presença solidaria, de esperança, de fé e comunhão com os vários desafios vividos pelo nosso povo.. Pois, Há momentos e situações que não a nada o que fazer a não ser estar junto, sofrer junto, chorar junto estar ao lado como Maria esteve no pé da cruz, confiar na ação de Deus e nos abrir a ação do Espírito Santo. Ter a humildade de se pôr em uma atitude de escuta, de aprendizado, dialogando e interagindo com todas aqueles que tem boa vontade de agir em prol da vida e da dignidade humana. Estamos em um processo de caminhada que exige, paciência, abertura de coração e mente, resiliência e comunhão.

Embora o mundo seja a terra natal de um missionário, a Baixada Fluminense sempre será seu lar, onde seus pais e suas raízes permanecem. Que mensagem o senhor gostaria de deixar para nossa Diocese, nossos fiéis, os frades e o clero?
O Papa Francisco em seu ministério tem nos exortado a sermos pastores que tenham o cheiro de suas ovelhas, que as amem profundamente trilhando o caminho junto, cuidando e se comprometendo com as suas vidas, com os seus sofrimentos, percorrendo a mesma estrada do Amor revelado por Cristo Nosso Salvador. Como Cristãos somos chamados a testemunhar a esperança que renova o sentido da vida, pois não estamos presos ao que é passageiro, mas vislumbramos o novo da ação de Jesus Cristo na história e da vida de cada fiel batizado. Creio que em meio a toda realidade que muitas vezes é desoladora esperamos em Deus e isto muda completamente a perspectiva da vida nos enchendo de vigor e alegria, coragem e determinação de fazer o necessário e possível no agora de nossa existência.   Desejo a todos e todas as Bênção de Deus, Um Santo Natal de Paz e Bem!

Com Dom Evaristo e Dom Leonardo como bispos franciscanos na Amazônia, e agora com sua chegada, como acredita que a espiritualidade franciscana pode fortalecer o serviço pastoral e missionário na região amazônica?
O Nosso carisma é o da Paz e Do Bem no diálogo e no serviço fraterno a toda criatura se compreendo como irmãos de todos, pois é o próprio Deus que nos possibilita vivermos nesta relação de uma grande família que se ama e que busca aprofundar a relação do cuidado, da reverência e da comunhão de vida., a fraternidade universal sonhada por todos nós. Nossa vocação é de ser menores a serviço da Igreja, este vai ser o compromisso que vamos perseguir nesta porção do Povo de Deus que vive na região amazônica e a contribuição que podemos dar.

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